Registro de dívidas do antigo proprietário do meu carro. O que fazer?
A ideia deste espaço é a de desenvolver algo semelhante a uma coluna, na qual empreendida uma tentativa de esclarecer, em termos jurídicos, porém acessíveis, as opções existentes para solução de determinada dificuldade. Meu sócio, o Gustavo, também participará do trabalho. Vamos escrever em semanas alternadas.
O tema eleito para esta primeira semana guarda relação com uma situação muito mais usual do que eu poderia imaginar: problemas com restrições em registros de veículos com fundamento em dívidas do antigo proprietário, efetivadas em momento posterior à formalização da transferência ao novo dono. A mais comum é o RENAJUD (Restrição Judicial Sobre Veiculo Automotor). Seriam elas legais, ilegais, depende? Como proteger-se? É o que vou tentar esclarecer.
Essas restrições, na maioria dos casos que chegaram até o meu conhecimento, guardam relação com uma figura conhecida no meio do direito processual como fraude de execução. Em termos bastante resumidos: a lei não permite que uma pessoa se desfaça de seu patrimônio de modo a não conseguir suportar uma dívida que vem sendo cobrada em sede judicial – em um processo já instaurado, portanto. Se o devedor vender os seus bens e não tiver condições de pagar o reconhecido por uma sentença, ou já demandado em execução, as transferências realizadas poderão ser consideradas ineficazes em relação ao credor que buscou o Judiciário em momento anterior.
E é aí que, na maioria das vezes, mora o perigo. Como proteger o comprador que não sabia da existência da dívida quando adquiriu o bem e agora se encontra sensivelmente prejudicado pelo registro e posterior expropriação do seu patrimônio? Coube aos Tribunais compatibilizar este conflito de interesses.
O Superior Tribunal de Justiça, Corte situada em Brasília e incumbida da uniformização do entendimento a respeito do disposto na legislação infraconstitucional brasileira, consolidou o entendimento segundo o qual, nessas situações, é dever do credor comprovar a existência de má-fé daquele comprador para configuração da fraude de execução. Isso pode ser demonstrado (i) pela averbação prévia à transferência do bem e (ii) por outros meios que comprovem que o adquirente tinha conhecimento da existência do processo e potencial (ou atual) dívida antes de realizar a compra – como um e-mail a ele enviado, por exemplo.
O entendimento é exposto na Súmula 375 do STJ. No âmbito das relações trabalhistas, o Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região – Santa Catarina – consolidou a mesma interpretação com a edição da Súmula 45, do ano de 2013.
Como visto, na tentativa de proteger os compradores de boa-fé, os tribunais estipularam que, ao contrário da simples propositura de demanda, a configuração de fraude à execução depende averbação da dívida em momento anterior à alienação do bem, ou de prova de má-fé do adquirente. Nada disso tendo ocorrido, não há que se falar (ao menos em condições normais) em fraude apta a tornar possível a expropriação do bem adquirido de boa-fé.
Isso não significa que os compradores não devam tomar qualquer precaução ao adquirir um automóvel. Muito pelo contrário, aliás. O ideal – e aqui se expressa pura e simples opinião – é que se proceda a uma investigação, ao menos no local de residência do vendedor, de (i) processos judiciais pendentes, e (ii) registros de protesto ou negativações em órgãos de proteção ao crédito. Isso possibilitará o questionamento em sede judicial na hipótese de efetivação de restrições futuras.
Vale, aqui, a velha máxima: prevenir é melhor que remediar. Espero que a breve explicação seja útil para quem vem passando por tal dificuldade.
Francisco.